"Como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha". (Paulo Freire)

sábado, 6 de março de 2010



Professores da rede pública de ensino!!!!
Já foi lançada a 2ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa. Desta vez, ao contrário do que ocorreu na 1ª edição, os kits com os materiais que subsidiarão o trabalho do professor na orientação do gênero proposto para a(s) turma(s) que orientará, serão enviados pelo MEC para todas as escolas públicas do país. Mas atenção!!!! Somente estará inscrito na Olimpíada o professor que preencher a sua ficha de inscrição que está disponibilizada nos sites mencionados abaixo. Então vamos lá, caro colega! É hora de arregaçarmos as mangas e mostrarmos todo o potencial criativo de nossos alunos!

Inscrição dos professores – de 02/03 a 14/05/2010

Poderão se inscrever professores que lecionem para alunos dos: 5º, 6º, 7°, 8º e 9º anos (4ª, 5ª, 6ª, 7º e 8ª séries) do Ensino Fundamental e nas classes de aceleração equivalentes e 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio. O professor poderá se inscrever nas seguintes categorias, de acordo com o ano escolar de seus alunos:

Categorias/ Anos escolares participantes

Poema - 5º e 6º anos/4ª e 5ª séries do Ensino Fundamental
Memórias - 7º e 8º anos/6ª e 7ª séries do Ensino Fundamental
Crônicas - 9º ano/8ª série do Ensino Fundamental e 1º ano do Ensino Médio
Artigo de opinião - 2º e 3º anos do Ensino Médio

O professor poderá se inscrever em quantas categorias desejar e em mais de uma escola. É importante que a inscrição seja negociada com o diretor da escola. A inscrição é gratuita e, ao se inscrever, o professor declara que o diretor da escola está ciente de sua inscrição. Caso a rede de ensino a qual sua escola pertence não tenha efetivado a adesão, sua inscrição será guardada e validada após a adesão da rede.
A inscrição é gratuita e realizada exclusivamente pela Internet. A ficha de inscrição eletrônica está disponível para preenchimento e envio nos seguintes endereços eletrônicos:

www.mec.gov.br;
www.fundacaoitausocial.org.br;
www.cenpec.org.br;
www.escrevendoofuturo.org.br.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Reflexões sobre o ensino de gêneros orais

Autora: Heloisa Amaral

Houve um tempo em que oral e escrita eram consideradas modalidades opostas da língua. Hoje, sabe-se que ambas as modalidades constituem uma continuidade e que fica difícil demarcar os limites entre elas. Uma palestra, por exemplo, considerada um gênero da oralidade, é uma exposição preparada previamente com leituras e anotações escritas; um bilhete, por outro lado, é uma breve anotação escrita a partir de uma situação de comunicação corriqueira que, se ambos os interlocutores estivessem presentes, seria feita oralmente.
1. Ensino de gêneros orais
Desde a publicação dos PCN, no final da década de 1990, as diversas propostas curriculares propõem o ensino de gêneros orais. Mas, quais gêneros orais ensinar? Aqueles que, embora apresentados oralmente, dependam da escrita para existir: peças de teatro, palestras, exposições em seminários, peças de argumentação em júri simulado, entrevistas, reportagens de TV simuladas, contação de histórias de tradição oral, sarau de poemas etc.
Os seminários, entre os gêneros apontados, são um ótimo exemplo de gênero oral que precisa ser ensinado e quase nunca o é. Como não é ensinado, o costume é dizer aos alunos: “Sobre este assunto, organizem um seminário. Dividam-se em grupos e apresentem no dia tal.” Essas orientações, insuficientes, costumam resultar numa sensação de perda de tempo para todos os envolvidos. Com isso, esse gênero - instrumento importante para o desenvolvimento de apresentações orais organizadas, necessárias para atividades escolares e não escolares - muitas vezes é deixado de lado.
Para que gêneros orais mais formais se tornem instrumento do domínio consciente de atividades de linguagem, eles precisam ser apoiados em pesquisa bibliográfica, ou seja, em gêneros escritos. Além disso, é necessária a organização prévia, por escrito, do que se vai dizer oralmente. Sem essa dupla relação com os gêneros escritos, os seminários não terão sucesso. É claro que os alunos também precisam ser orientados sobre entoação, interação ativa com os demais alunos durante a exposição do tema do seminário, uso de material de apoio apropriado (como cartazes, gráficos...) etc. Mas sem a leitura prévia de textos de pesquisa e de anotações escritas, o seminário não resultará em aprendizagem para quem o apresenta ou ouve.
2. Aula expositiva como exemplo gênero de discurso oral
Vamos tomar como exemplo da continuidade que ocorre entre gêneros orais e escritos as aulas expositivas comuns que ocorrem no ensino fundamental ou médio e que o professor usa com frequência e conhece muito bem. Esse gênero, aparentemente “oral”, demonstra claramente como oralidade e escrita não são dois campos separados por um abismo.
Para que este gênero de discurso exista (como ocorre com todos os demais infinitos gêneros existentes), é preciso haver alguns elementos “estáveis” na situação de comunicação que lhe dá origem. No caso da aula expositiva, os seguintes:
a) alunos e professores apoiados por material escrito e para a escrita;
b) conteúdos, procedimentos, competências a serem ensinados/aprendidos e objetivos a serem alcançados, previamente determinados por escrito;
c) tempo e espaço previstos em planejamento prévio, registrados por escrito para que não se perca o ritmo no ano letivo (conteúdos, atividades, ensino e aprendizagem são regulados em currículos organizados a partir de espacialidade/temporalidade pré-determinadas);
d) atividades propostas, oralmente e por escrito, para que os objetivos se realizem;
e) espaço de interação social, uma “esfera de comunicação”, no caso, a escola, relacionada a todos os órgãos públicos que controlam seu funcionamento;
f) uma exposição oral que considere todos os elementos já citados, feita de forma ordenada e com intenção pedagógica.
Como os elementos acima sempre se repetem de uma forma ou de outra quando há aula expositiva, os interlocutores já esperam o gênero de discurso por eles determinado. É pela repetição desses elementos que o gênero adquire características estáveis as quais permitem sua identificação imediata por todos que, em algum momento de suas vidas, tenham frequentado a escola. Sendo identificado o gênero, os interlocutores também identificam seus papéis e, assim, a comunicação tende a ser bem sucedida.
É importante observar que a situação de comunicação da aula expositiva está relacionada a diversas outras situações anteriores. Ela não brota do acaso. O mesmo se pode dizer dos demais gêneros orais e escritos: não são conteúdos escolares isolados, são socialmente produzidos e, quando têm relevância para a constituição do domínio da língua, precisam ser ensinados.
Ensino de gêneros orais
O primeiro passo para o ensino bem sucedido de gêneros orais é a seleção daqueles que precisam ser ensinados. Escolhido o gênero oral a ser ensinado, o professor deve proceder como no momento que organiza sua aula expositiva, identificando todos os elementos estáveis que determinam a ocorrência do gênero que quer ensinar, refletindo sobre esses elementos e analisando-os com os alunos.
Nesse momento, é preciso perguntar, por exemplo: Quais os elementos da situação de comunicação de uma peça de teatro? Quais os elementos da situação de comunicação de um sarau de poemas? E de um júri? Como no caso da aula expositiva, verificar-se-á que a situação de comunicação própria do gênero está socialmente ligada a várias outras situações das quais ele depende.
Ao levantar esses elementos com os alunos, reforçando os aspectos de oralidade sem esquecer o apoio na escrita, eles tomarão consciência da situação em que se envolverão e terão melhores resultados no uso dos gêneros orais como valiosos instrumentos para o domínio da língua.
Leia também a resenha do artigo “Linguagem oral na escola em tempo de redes ”

Publicado em: 19/03/2009 na Comunidade Escrevendo o Futuro

terça-feira, 2 de março de 2010



O gênero memórias literárias
Memórias e escola


Autoras: Anna Helena Altenfelder e Regina Andrade Clara

O trabalho com memórias que o Escrevendo o Futuro propõe para as escolas procura resgatar, por meio do encontro com as memórias de pessoas mais velhas, a história da comunidade onde essas pessoas vivem.

O trabalho com lembranças oferece um meio eficiente de vincular o ambiente em que as crianças vivem a um passado mais amplo e alcançar uma percepção viva do passado, o qual passa a ser não somente conhecido, mas sentido pessoalmente. Por isso, o trabalho com a memória da comunidade não pode se restringir à recuperação de um passado morto e enterrado dentro de uma abordagem pitoresca ou nostálgica, como se só o que já passou fosse bom e tivesse valor. Trata-se, antes, de resgatar memórias vivas das pessoas mais velhas que, passadas continuamente às gerações mais novas pelas palavras, pelos gestos, pelo sentimento de comunidade de destino, ligam os moradores de um lugar.

Recuperar essa história, entre outras coisas, estimula professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho, permite mostrar o valor de pessoas que vêm da maioria desconhecida do povo, traz a história para dentro da comunidade ao mesmo tempo em que extrai história de dentro dela, propicia o contato entre gerações e pode gerar um sentimento de pertencer ao lugar onde se vive, contribuindo para a formação de seres humanos mais completos e para a constituição da cidadania.

Os processos da memória

Em nosso cotidiano, quando acionamos a memória, estamos sempre fazendo uma relação entre o que está acontecendo agora e o que já aconteceu. Ou seja, a memória do que já aconteceu está sempre presente no que está acontecendo. São exemplos desse fato: lembrar-se do que não tem no armário da cozinha para ir fazer compras no supermercado, lembrar-se do itinerário para ir a algum lugar, lembrar-se do que já está feito em nosso trabalho para começar uma outra etapa, etc. Há outras situações em que a memória surge por meio de perguntas que fazemos ou que fazem para nós e que nos remetem ao passado. Em outros momentos, a memória é despertada por um objeto, um cheiro, uma situação. Ao utilizar a memória, sempre fazemos um jogo do "agora" com o "ontem", do "aqui" com o "lá".

Escrever memórias

Rememorar pode ser algo corriqueiro, que fazemos sem sentir ou pensar. Há momentos, porém, em que nossas memórias são provocadas por situações de comunicação mais formais, como em uma entrevista, por exemplo, em um depoimento que se dá sobre um fato que atingiu a comunidade. A linguagem que usamos nessas situações, ou seja, os gêneros utilizados para rememorar, também são mais formais. São exemplos: a escrita de um relatório de trabalho, de um currículo, de um questionário a ser respondido numa consulta médica, a escrita de uma biografia ou de um livro de memórias literárias.

O gênero memórias literárias

Memórias literárias são textos produzidos por escritores que dominam o ato de escrever como arte e revivem uma época por meio de suas lembranças pessoais. Esses escritores são, em geral, convidados por editoras para narrar suas memórias de um modo literário, isto é, buscando despertar emoções estéticas no leitor, procurando levá-lo a compartilhar suas lembranças de uma forma vívida. Para isso, os autores usam a língua com liberdade e beleza, preferindo o sentido figurativo das palavras, entre outras coisas. Nessa situação de produção, própria do gênero memórias literárias, temos alguns componentes fundamentais:

• um escritor capaz de narrar suas memórias de um modo poético, literário;
• um editor disposto a publicar essas memórias;
• leitores que buscam um encontro emocionante com o passado narrado pelo autor, com uma determinada época, com os fatos marcantes que nela ocorreram e com o modo como esses fatos são interpretados artisticamente pelo escritor.
A situação de comunicação na qual o gênero memórias literárias é produzido marca o texto. O autor escreve com a consciência de que precisa encantar o leitor com seu relato e que precisa atender a certas exigências do editor, como número de páginas, tipo de linguagem (mais ou menos sofisticada, por exemplo, dependendo da clientela que o editor procura atingir).

O escritor de memórias literárias

O escritor de memórias literárias tem a capacidade de recuperar suas experiências de vida, verbalizando-as por meio de uma linguagem na qual é autoridade. Mais do que lembrar o passado em que viveu, o memorialista narra sua história, desdobrando-se em autor e narrador-personagem. São exemplos de autores que escreveram suas memórias Gabriel Garcia Marques e Zélia Gattai, só para citar dois mais recentes.

À medida que escreve seu texto, o escritor-autor-narrador organiza as vivências rememoradas e as interpreta, usando uma linguagem específica - a literária. Nas memórias literárias, o que é contado não é a realidade exata. A realidade dá sustentação ao texto escrito, mas esse texto é constituído, também, por uma certa dose de inventividade. Por um lado, as memórias literárias se aproximam dos textos históricos quando narram a realidade vivida; por outro lado, aproximam-se do romance porque resultam de um trabalho literário.

Como já se disse acima, ao escrever suas memórias, o autor se desdobra em narrador e personagem, num jogo literário muito sutil, narrando os fatos de uma época, olhando-a do ponto de vista de observador geral dos momentos que narra, mas também olhando para si mesmo como personagem que viveu os acontecimentos narrados, recriados pelas lembranças suas e dos outros. É possível reconhecer quando o autor se coloca como narrador das memórias pelo uso da primeira pessoa: "eu me lembro", "vivi numa época que...". Podemos reconhecer o narrador-personagem nas memórias quando o autor descreve suas sensações e emoções narrando fatos dos quais ele é o centro, mas que envolvem outros personagens das memórias. Veja os exemplos, retirados de "Viver para contar", de Gabriel Garcia Márquez: "Minha mãe disse assim: `Que bom que você ficou amigo de seu pai.'" e "O zelador riu da minha inocência". Quando é narrador, o autor fala das lembranças como um todo; quando é narrador-personagem, fala de si, muitas vezes pela voz de outros personagens que evoca.

Como, ao utilizar a memória, sempre se faz um jogo do "agora" com o "ontem", do "aqui" com o "lá", o texto narrado ficará marcado por esse vai e vem, com uma contínua comparação do passado com o presente. Uma vez que o autor lembra, ele usa verbos que expressam o ato de lembrar para mostrar esse vai-e-vem da memória: "rememorar", "reviver", "rever". Esses verbos são usados, ora no presente ("Eu me lembro..."), ora no pretérito ("Eutásia lavava e passava minhas roupas..."). Usa pronomes possessivos ou oblíquos da primeira pessoa: "Minha casa naquela época...", "Meu avô que era carpinteiro...", "Lembro-me com saudade...", "Fizeram-me jurar que...". O autor, por exemplo, retoma palavras utilizadas na época evocada (vitrola, flertar), usa expressões que ajudam a localizar o leitor no momento em que os fatos ocorreram ("Naquele tempo", "Em 1942"). Além disso, ele traz para o texto falas, vozes de outras personagens ("D. Mariquinha dizia que moça de família não devia se pintar"), muitas vezes em forma de diálogos que movimentam e animam o texto.

O aluno autor de memórias literárias

Narrar memórias é uma habilidade que se aprende. Depois de recolher memórias das pessoas mais velhas da comunidade, os alunos podem reconstruir/recriar essas memórias, sem precisar fazer uma transcrição exata da realidade, pois o ato de narrar é sempre uma criação. Quando se narra um acontecimento de forma literária, o imaginário do narrador atua sobre as memórias recolhidas transformando-as. Ao transformá-las procurando dar-lhes uma "vida" da qual o leitor possa compartilhar, o narrador destaca alguns aspectos mais envolventes e suprime outros.

A aventura de escrever memórias literárias é uma experiência muito rica. A princípio parece não ser fácil, mas, com a ajuda do professor, os alunos poderão aprender a ler e escrever esse gênero de texto tão importante para sua formação.
Publicado na Comunidade Escrevendo o Futuro